Um artigo produzido por DIOGO HENDGES*
Um assunto bastante discutido entre os(as) cervejeiros(as) caseiros(as), fala sobre a quantidade de água utilizada para produção de cervejas.
Esta postagem, sem muitas pretensões, tem por objetivo auxiliar você e incentivar o estudo contínuo do processo cervejeiro.
Resumidamente, essa água pode ser dividida em 2 partes:
Água primária;
Água secundária.
A primeira possibilita extrair os compostos presentes no malte. A segunda é utilizada como sistema de lavagem, para extrair os compostos que ficaram retidos no bagaço resultante do primeiro passo.
Podemos iniciar nosso cálculo com a determinação uma relação de água (L) / malte (kg) no processo de mosturação. Ou seja, a quantidade de água inicial que extrairá os compostos do malte.
A literatura especializada sugere que para favorecer o descanso proteico (para espuma da cerveja), por exemplo, deve-se utilizar uma relação de água/malte que varie entre 2 e 3L/kg.
Para a sacarificação (quebra do amido) a relação deve maior que a anterior: acima de 3L/kg.
Cada uma dessas relações apresenta vantagens e desvantagens. Porém, esta postagem tem por objetivo apresentar mais uma forma (entre tantas) de cálculo de água a ser utilizada no processo cervejeiro caseiro.
Vamos ao que interessa!
Logo após a fervura (mosto quente) você resfria o mosto. Devido ao resfriamento o liquido se contrai. A diminuição de volume na contração é de 4%. Ou seja, você obterá 96% do volume do mosto quente, devido a contração.
Suponhamos que você queira 20 litros de mosto (frio) que serão levados para a fermentação. Suponha que a perda no trub seja de 2 litros. Temos aqui um total de 22 litros de mosto frio, antes da fermentação. Essa será nossa base
de cálculo. Dados:
Considerando que você resfriou o mosto e obteve 22L, o volume de mosto quente pós fervura: 22,92L, ou aproximadamente 23 L.
Volume de mosto frio pós-fervura = 22L – 96%
Volume de mosto quente pós-fervura = (X) – 100%
X = 22,92L – aproximadamente 23L
Supondo que sua panela de fervura tenha uma taxa de evaporação de 10% por hora. Ou seja, a cada hora de fervura 10% do volume de água é evaporado. Suponha que será realizada uma fervura de 60 minutos, então:
Volume de mosto quente pós-fervura 23L – 90%
Volume de mosto quente pré-fervura (X) – 100%
X = 25,5L
Este é o volume que deverá iniciar na fervura.
Obs.: o ideal é que você conheça o quanto evapora durante a fervura, em volume, da água do mosto. Dessa forma você consegue realizar alguns ajustes no processo, caso necessário.
Suponha que será produzido um mosto com 1,048g/mL de densidade, ou 12ºP (graus Plato – 12g/100g).
Obs.: Cada grau Plato corresponde a 4 unidades de densidade: 1 ºP = 0,004. Densidade = 1,004. Valores aproximados!
Pode-se encontrar um artigo Gravidade Específica e Extrato no blog do Ricardo Rosa
(http://cervejarte.org/blog/calcularte/gravidade-especifica-e-extrato/).
Multiplicando a densidade do mosto (1,048g/mL) pelos graus Plato você terá uma quantidade de 12,56g de extrato para cada 100mL de mosto.
Segue a conta:
Por que fiz essa conta?
Alguns cervejeiros preferem trabalhar com a densidade. Outros (como eu) preferem trabalhar com graus Plato. Ambos os conceitos representam a mesma coisa (extrato dissolvido no mosto), mas expressa de forma diferente.
Para facilitar a compreensão chamaremos “extrato” de “açúcares”.
Se teremos 22L (22000 mL):
12,56g extrato – 100mL
Xg extrato – 23000mL
X = 2,88kg de açúcares dissolvidos no mosto pós-fervura
Suponha que a eficiência de extração, na mosturação, seja de 80%.
Então, precisamos calcular quanto teríamos em açúcares se tivéssemos uma eficiência de 100%:
2,88kg extrato – 80% eficiência
X kg extrato – 100% eficiência
X = 3,6kg de açúcares presentes no malte, possíveis de serem extraídos
Porém, o malte que utilizamos rende em torno 75 a 80% em açúcares (dados técnicos fornecidos pelo fabricante – varia de malte para malte). Ou seja, para cada 1kg de malte que utilizamos, o máximo que podemos extrair de
açúcares é entre 750 a 800g.
Utilizaremos 80%, admitindo que estamos usando apenas malte Pilsen.
Com isso podemos calcular a quantidade de malte necessária para a brassagem:
3,6kg extrato – 80% (açúcares presentes no malte)
X kg malte – 100% (açúcares + cascas + outros compostos)
X = 4,5kg de malte necessário para a brassagem
Cálculo de água que deverá ser utilizada:
Cálculo de água primária:
Utilizaremos, para exemplo, uma relação de 3L água /kg malte.
Relação 3L água – 1kg de malte
XL de água – 4,5kg malte
X = 13,5 litros necessários para água primpária
Agora podemos estimar o volume de mosto primário que teremos.
Mosto primário é aquele obtido logo após a mosturação, clarificação e primeira filtração, sem adição de água de lavagem (ou secundária).
Para realizar o cálculo de água secundária precisamos saber quanta água ficou retida nas cascas do malte, após tirar o mosto primário. A literatura sugere que a quantidade de água retida pode variar entre 1 e 1,5L/kg de malte
utilizado.
Para exemplo de cálculo, vamos supor que cada kg de malte retenha 1L de água. Logo, podemos calcular quantos litros de mosto primário temos.
1L água retida – 1kg malte
X L de água retida – 4,5kg malte
X = 4,5 litros de água retida no bagaço
Então, se tenho 13,5 litros de água primária, e ficaram retidos 4,5 litros, a quantidade de mosto primária deverá ser, aproximadamente, 9 litros.
Imagem de Krzysztof Pluta por Pixabay
Cálculo de água secundária
Para calcular a quantidade de água secundária (necessária para lavagem do bagaço), resumidamente, basta diminuirmos da quantidade de mosto pré-fervura a quantidade de mosto primário.
25,5L (volume início da fervura) – 9L (volume mosto primário) = X
X = 16,5 litros de água secundária para lavagem do bagaço
Esse número variará de acordo com a cerveja a ser feita, mais concentrada (alcoólica) ou menos concentrada (menos alcoólica).
Uma dica: quando se quer uma cerveja mais concentrada, além da utilização de uma quantidade maior de malte, deverá ser usada uma menor quantidade de água secundária para a lavagem, com o objetivo de não diluir
demais o mosto pré-fervura.
Importante ressaltar, neste momento, que os valores aqui apresentados são aproximados e que tudo varia de acordo com seu equipamento, tipo de cerveja a ser elaborada.
Agora é só realizar um cálculo proporcional, de acordo com o seu equipamento.
Bons estudos e abraço!
*Dr. Diogo Henrique Hendges
Coordenador do Curso Superior de Tecnologia em Produção Cervejeira da Unicesumar, Maringá-PR, é Doutor em Ciências com habilitação em Biotecnologia Industrial, pela Universidade de São Paulo (USP) – Escola de Engenharia de Lorena (EEL), onde estudou a produção de cervejas, utilizando adjuntos não convencionais.
Também realizou estudos de produção de diferentes tipos de bebidas, como cachaça, vinho, uísque, hidromel, entre outras. Participou de Treinamento Profissional Avançado em Biotecnologia, pela InWent (Capacity Building International), Helmholtz Centre for Infection Research (HZI)/Technische Universität Carolo-Wilhelmina (TU-Braunschwieg), Alemanha, tendo trabalhado com engenharia de carboidratos obtidos por processos fermentativos e enzimáticos, para aplicação em alimentos e produtos farmacêuticos.
Desde 2009 vem atuando como docente de disciplinas nas áreas de Química Geral, Química de Alimentos, Tecnologia de Alimentos, Análise de Alimentos e Processos Químicos, e Iniciação ao Serviço de Bebidas e Análise Sensorial de Bebidas em curso de Gastronomia.
Para saber mais, acesse o Currículo Lattes disponível em:
http://lattes.cnpq.br/1463744711416997